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Auschwitz

15 de dezembro de 2017

Quando decidi ir para a Polônia, reservei um dia da viagem para ir a Auschwitz. Sabia que seria doloroso, mas sempre gostei de história, e a da Segunda Guerra é um dos “capítulos” que mais me interessa, por sua escala e todas as implicações.

Agendei a visita no hotel, de um dia para o outro. A viagem a Oświęcim – nome polonês da cidade que os nazistas chamaram de Auschwitz – leva pouco mais de uma hora. Antes de entrar, a guia explica que não é possível entrar com bolsas grandes/mochilas (lá não tem guarda volumes), que fotos são permitidas em quase todo o complexo, com algumas exceções que ela nos sinalizaria, e que, uma vez que estávamos entrando em um cemitério onde tantas vidas se perderam, silêncio e respeito eram necessários.

A primeira impressão que tive ao atravessar o famoso portão com a inscrição “o trabalho liberta” foi de choque – o dia estava lindo, com céu azul e muito sol, os pássaros cantavam, a brisa balançava as folhas das árvores. Tudo tão calmo, agradável. Muito difícil acreditar que aquele lugar tinha sido palco de um dos maiores horrores da humanidade. Fiz uma oração pelas almas que ali tinha sofrido e me concentrei nas informações da guia.

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A visita começou em um dos três campos do complexo, Auschwitz I. Esse foi o primeiro a ser construído, e era o centro administrativo que comandava os demais. Ali, a maior parte dos prisioneiros eram criminosos de guerra (alemães e russos) e poloneses (dissidentes, intelectuais, membros da resistência). No início, havia poucos judeus, àquela altura vivendo (sobrevivendo, na verdade) nos guetos de suas cidades. A deportação e extermínio em massa viram depois, na chamada “Solução Final”.

Ali, os presos recebiam um “número de série”, tatuado no braço. Os pertences eram confiscados, cabelos raspados, uniformes impróprios para o clima da região substituíam as roupas. Em um dos galpões, é possível ver fotos de alguns prisioneiros. A dor e o desespero daquelas pessoas ainda ecoam por lá.

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Tratados como animais, os prisioneiros tinham poucas horas de sono (empilhados em beliches que tinham de ser divididos com várias pessoas), eram submetidos a trabalhos forçados, não tinham condições de higiene e recebiam pouco alimento – pão bolorento, salsicha feita de carne de cavalo, sopa feita de ervas daninhas. A dieta no campo não passava de 700 calorias, muito abaixo do mínimo necessário para um adulto. Lembrei das tantas vezes que falei “estou morrendo de fome” sem ter a menor ideia (graças a Deus) do que isso significa. ☹

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Os nazistas escolhiam alguns prisioneiros – chamados de kapos – para vigiar os demais. Alguns eram extremamente cruéis, outros tratavam os prisioneiros com um mínimo de humanidade. Nos julgamentos que se seguiram à guerra, poucos foram condenados, porque estariam apenas fazendo o que era necessário para sobreviverem.

O Bloco 11 era o mais temido no campo – uma espécie de inferno dentro do inferno, de onde não se saia com vida. Para lá eram enviados os prisioneiros que incorressem em alguma falta, que podia ser uma tentativa de fuga ou, simplesmente, um olhar que irritasse os nazistas. As formas de tortura variavam: alguns presos eram deixados nas celas da fome, para morrer de inanição. Outros ficavam confinados em celas minúsculas, em pé, até que morressem de exaustão. Havia, ainda, celas escuras e sem ventilação nas quais a pessoas morriam sufocadas. Foi nesse bloco que os nazistas fizeram os primeiros testes com o gás Zyklon-B, que viria a ser usado para extermínio em massa nas câmaras de gás.

Na saída do Bloco 11, a guia nos contou a história de Maximiliano Maria Kolbe, um padre polonês que morreu em uma das celas da fome. Ele se ofereceu para morrer no lugar de outro preso, escolhido aleatoriamente pelos guardas para morrer como vingança pela fuga de outros presos. Ao ouvir o homem chorando de desespero porque nunca mais veria sua família, o padre pediu para trocar de lugar com ele. Surpreendentemente, os guardas atenderam ao pedido. Ele sobreviveu por duas semanas sem comida nem água, até que foi morto pelos soldados. Há flores e uma vela marcando na cela onde ele – hoje um santo, canonizado pelo Papa João Paulo II – morreu. O homem que Kolbe salvou (Franciszek Gajowniczek) sobreviveu à guerra e conseguiu reencontrar sua esposa. Os filhos, no entanto, morreram durante bombardeios soviéticos antes da libertação da Polônia.

No meio de tantas histórias de sofrimento, foi essa história de amor que me fez chorar. Kolbe foi um dos tantos prisioneiros que, mesmo em meio ao mais absoluto terror, conseguiram preservar sua condição humana e, ainda, ajudar outras pessoas. Como escreveu Viktor Frankl (que foi prisioneiro de Auschwitz) no livro Em Busca de Sentido, ele foi uma das provas de que, no campo de concentração se podia privar a pessoa de tudo, menos da liberdade última de assumir uma atitude alternativa frente às condições dadas.” Se eu seria capaz de me manter humana em um cenário daqueles? Não sei, não sei mesmo.

A guia nos conduziu por vários blocos, nos quais é possível ver alguns dos pertences que os prisioneiros traziam consigo quando chegavam ao campo – mantos de oração judeu (talits), sapatos, malas, utensílios de cozinha. Os nazistas confiscavam tudo na chegada e enviavam para uma área conhecida como Canadá (porque o país era considerado uma terra próspera), onde os bens eram separados e enviados para a Alemanha.

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São dois os lugares que não podem ser fotografados – aqueles que provocam os maiores dos vários nós que se formam no estômago durante a manhã: a sala onde estão os cabelos retirados dos mortos depois da câmara de gás (e roupas feitas com isso) e o forno de cremação.

Ao final da visita, fizemos uma pausa rápida (há uma lanchonete e algumas máquinas com bebidas e snacks) e seguimos (de carro) para Auschwitz II, mais conhecida como Birkenau – são daquele campo algumas das imagens mais fortes do Holocausto, com os trens chegando cheios de judeus que desconheciam o horror que os aguardava.

Ao contrário do primeiro campo, totalmente preservado, Birkenau foi quase que totalmente destruída pelos Aliados ao fim da guerra. Restaram alguns símbolos, homenagens e o campo aberto, a perder de vista. Na época da guerra, as chaminés dos crematórios trabalhavam dia e noite. Quase é possível sentir o cheiro de cinzas no ar. 

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Havia, ainda, um terceiro campo – que englobava outros 45 subcampos – próximo dali que foi totalmente destruído. A escalado do horror em Auschwitz era exponencial.

Ainda estão em Birkenau os trilhos que levavam os trens para a área de seleção dos prisioneiros. Depois de viajaram empilhados nos vagões como animais, os prisioneiros chegavam na plataforma sem fazer ideia do que os aguardava. Há fotos dos grupos recém-chegados nas quais se podem ver crianças sorrindo, inocentes, sem imaginar que estavam para serem separadas dos seus pais para sempre. Idosos, crianças e doentes eram enviados diretamente para as câmaras de gás. Os prisioneiros considerados aptos para o trabalho iam para barracões ainda mais precários do que os do primeiro campo.

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Ao chegar nas câmaras de gás, os prisioneiros eram informados de que tomariam um banho a antes de serem instalados no campo. Despidos das roupas e da dignidade, entravam nas salas com chuveiros falsos, de onde saia gás venenoso em vez de água. Ao perceber o que estava acontecendo, o desespero tomava conta…os gritos podiam ser ouvidos do lado de fora, e o chão ficava marcado pelos arranhões na tentativa de escapar do inferno.

Esse método (gás + cremação) foi a forma que os nazistas encontraram de deixar o processo de extermínio de judeus mais rápido e eficiente. No início, os guardas executavam os presos com tiros, o que demorava e, ainda, tinha um efeito negativo no moral dos guardas, que se sentiam deprimidos e exaustos pelo esforço. Como requinte de crueldade, os nazistas designavam um grupo de judeus – chamados de sonderkommando – para retirar os mortos da câmara, arrancar o ouro que porventura tivessem nos dentes e, depois, levá-los aos fornos de cremação. Eles ficavam isolados para que os outros presos não soubessem o que os esperava. De tempos em tempos, os sonderkommando eram eliminados nas câmaras e de gás e substituídos por outros.

São muitas as histórias de horror vividas pelos prisioneiros nos campos. Os experimentos médicos do Dr. Mengele, conhecido como o Anjo da Morte, que tinha predileção por anões e gêmeos. A crueldade sem fim da supervisora do campo feminino, Maria Mandel, conhecida como A Besta – foi dela a ideia sádica de criar uma orquestra que era obrigada a tocar músicas alegres enquanto os prisioneiros saiam para os trabalhos forçados. Há um filme no Netflix chamado Amarga Sinfonia de Auschwitz (Playing for Time) que conta a história da orquestra. É antigo, mas traz um retrato bem verdadeiro do que era a vida no campo, caso alguém queira saber mais sobre o tema.

O inferno durou até o final da guerra. Antes do fim, muitos foram mortos ou evacuados para outros campos em uma tentativa de eliminar evidências dos crimes ali cometidos. Quando o Exército Vermelho liberou o campo, no dia 27 de janeiro de 1945, encontrou 7.500 prisioneiros que mais pareciam esqueletos do que gente, e as cinzas dos mortos sendo espalhadas pelo vento.

É impossível determinar ao certo o número de mortos em todo o complexo de Auschwitz. O número de maior consenso é de 1.5 milhão, sendo que 1.1 milhão eram judeus. Também lá morreram outros povos e grupos considerados inferiores pelos nazistas – dissidentes políticos, rebeldes, homossexuais, ciganos etc.  Nunca vou conseguir entender tanto ódio pelos diferentes – de cor, de raça, de pensamento.

Ao fim da visita, a guia comentou que, no fim da guerra, foi cogitada a destruição de todos os campos de concentração na tentativa de apagar o horror daquele período. Depois, decidiu-se que uma parte seria preservada e aberta para visitação. A intenção era contar ao mundo tudo o que aconteceu ali na esperança que – ao entender e reverenciar o passado – pudéssemos evitar que os erros fossem repetidos no futuro. Olhando o mundo de hoje, disse ela, acho que falhamos.

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3 Comentários
  1. Cinthia permalink

    A situação em si eh uma tristeza sem fim, mas o texto está maravilho 😘

  2. Carina Brito Murakami permalink

    Olá! Estou começando um blog e o segundo post dele foi sobre o filme citado no seu post. Assim como você, tenho um interesse bem grande sobre essa parte da história.
    Obrigada por compartilhar sua experiência!
    Imagino ter sido surreal estar num lugar desses, pensar que naqueles metros quadrados milhares de pessoas tiveram sua dignidade roubada, suas vidas tiradas… Deve ter uma energia forte.
    Vou continuar te acompanhando!

    Beijo!

    • Oi, Carina! Sim, ter estado lá foi uma experiência muito forte. Sucesso com seu blog! Escrever ajuda a passar nossos sentimentos a limpo. 😉 Beijo

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